NR1, saúde mental e a urgência de comunicar com consciência

Ciça Vallerio*

Todo mundo acha que entende de comunicação. Eu também, ainda mais trabalhando na área há 20 anos. Primeiro como jornalista, entrevistando, ouvindo as pessoas e traduzindo em matérias. Depois, em Comunicação Corporativa, criando estratégias para levar informações relevantes da empresa aos funcionários.

Mesmo sendo um tema aparentemente “simples”, ele é recheado de complexidades, achismos e ruídos. Por isso, há sempre mais para aprender e se aperfeiçoar. A prova disso veio ao participar do Grupo de Estudos (GE) em Comunicação Consciente da ABRH-SP: avaliamos nossa própria comunicação, como ela é percebida pelos outros e como, sem consciência, ela pode afetar profundamente a saúde mental das pessoas ao nosso redor.

O GE, realizado no primeiro semestre de 2025, teve encontros online liderados por Ana Elisa Moreira Ferreira, Maria Edna S. Lima e Lígia Velozo. Um dos temas discutidos foi a relação entre comunicação e os riscos psicossociais reconhecidos na atualização da NR1 (Norma Regulamentadora 1), que passou a incluir formalmente esse problema no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR), em consonância com a norma internacional ISO 45003.

Esse debate se mostra urgente. Segundo dados do Ministério da Previdência Social, o Brasil registrou 472.328 afastamentos do trabalho por transtornos mentais em 2024, um aumento de 68% em relação ao ano anterior. É o maior número da última década.

Entre os nove fatores de risco psicossocial listados no “Guia de Informações sobre os Fatores de Riscos Psicossociais Relacionados ao Trabalho”, cinco podem estar ligados a falhas de comunicação, de acordo com alguns exemplos indicados pelo GE, sempre lembrando que há vários outros associados à questão:

– Falta de clareza de papel, como linguagem vaga, instruções genéricas, ausência de alinhamento.

– Falta de reconhecimento, como comunicação negligente ou indiferente ao esforço.

– Exigências contraditórias, como informações desconexas, ruído entre setores ou líderes.

– Violência e assédio, como perfis de comunicação agressiva, passivo-agressiva, micro agressões.

– Omissão da liderança, que se manifesta na ausência de escuta ativa e de empatia, falta de retorno consistente e de feedback construtivo, entre outros aspectos que ultrapassam a esfera da comunicação. 

Conforme salientaram as coordenadoras do GE, quando a comunicação exige, mas não acolhe, abrimos caminho para o burnout. Quando falta clareza, fomentamos a ansiedade. Quando ideias são silenciadas, plantamos o desengajamento. A incoerência entre discurso e prática contamina a confiança e mina as relações. Ambientes onde não podemos falar nos adoecem.

Esse panorama também ecoa na tese de doutorado da Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto/USP (2023) de Thaísa Mara Leal Cintra, advogada com formação em Direito, Gestão em Saúde e Psicologia Organizacional. Sua pesquisa resultou em um Projeto de Lei focado na prevenção no ambiente de trabalho para regulamentar os riscos psicossociais no Brasil, defendendo que a NR1 incorpore com mais clareza essa questão, por meio de metodologias específicas. Embora sua proposta tenha influenciado a atual NR1, ela considera que a norma segue genérica e insuficiente.

A tese da advogada, especializada em Direito do Trabalho, também enfatiza a importância do uso de instrumentos de diagnóstico e gerenciamento de risco relacionados à saúde mental já validados cientificamente e traduzidos para mais de 80 países – trazer isso para o Brasil é um dos seus projetos já em andamento. 

Thaísa destaca ainda que a NR1, na essência, trata da gestão do relacionamento e defende que, sem uma comunicação clara e estruturada, nenhuma ação preventiva é sustentável. Não é à toa que ela também se especializou em Comunicação Não Violenta. Na sua opinião, a comunicação é base para capacitar lideranças, sensibilizar trabalhadores, superar resistências e garantir a adesão das equipes, conectando dados, evidências e decisões no contexto do gerenciamento de riscos.

O Relatório Mundial da Felicidade no Trabalho também reforça isso: empresas com lideranças que se comunicam com empatia e propõem um propósito claro promovem ambientes mais felizes, produtivos e sustentáveis. A comunicação é o cimento invisível que mantém essa estrutura de pé.

Comunicar-se com consciência não é um detalhe. É uma prática diária que pode salvar relações, fortalecer culturas e proteger vidas – dentro e fora do trabalho.