Igualdade salarial entre homens e mulheres – vamos aos dados

Publicação de RH pra Você*

A lei 14.611/23 foi publicada em julho deste ano instituindo regras sobre igualdade salarial entre homens e mulheres.

Agora, foram publicados o Decreto 11.795/23 e a Portaria 3.714/23, com as regras procedimentais, dados a serem publicados e outras medidas. Não há, ainda, a divulgação da ferramenta online para inserção de dados e informações.

Lembrando que a lei só é aplicável para empresas com 100 ou mais empregados.

O relatório de transparência salarial conterá dados que serão retirados do e-social. E não estamos falando somente de salário base, a lista de informações salariais é extensa.

O comparativo vai usar o código CBO – Classificação Brasileira de Ocupações e, portanto, muita calma nesta hora.

Se a empresa já fez a lição de casa quando a lei saiu em julho e, mesmo antes, quando da implantação do e-social, está tudo ok. Senão, se os CBOs são colocados para várias funções e cargos diferentes, porque não se encontrou, ou não se procurou cargos mais exatos, isso será um problema.

Vamos supor que você usou um CBO de gerente para qualquer gerente na empresa, bom você vai encontrar com a palavra “gerente” em 10 páginas de diferentes códigos.

Por exemplo, gerente de facility é gerente de propriedade:

Já no RH, você terá o gerente de RH com um código e uma descrição de atividades, e o gerente de departamento de pessoal com outro:

Então, se a lição de casa não foi feita, ela é urgente, pois se a empresa tiver funções diferentes, cargos diferentes com um mesmo código, o sistema lerá que é o mesmo cargo, com remuneração diferente.

Se, na infinidade de CBOs que existe algum que você procura não estiver ou você tiver dúvidas, há como fazer um pedido e informações neste link.

Com o CBO na primeira coluna, o sistema verificará os valores abaixo, em cada um deles:

a) do salário contratual;

b) do décimo terceiro salário;

c) das gratificações;

d) das comissões;

e) das horas extras;

f) dos adicionais noturno, de insalubridade, de penosidade, de periculosidade, dentre outros;

g) do terço de férias;

h) do aviso prévio trabalhado;

i) relativo ao descanso semanal remunerado;

j) das gorjetas; e

k) relativo às demais parcelas que, por força de lei ou norma coletiva de trabalho, componham a remuneração do trabalhador.

Atenção, portanto, que não se trata somente de salário base, mas, e especialmente, de políticas de remuneração variável, pois onde se lê “gratificações”, leia-se “programa de bônus” inclusive.

O relatório deverá ser anonimizado, e divulgado no sítio eletrônico da empresa nos meses de março e setembro de cada ano.

Nesse caso há um grande risco, pois a depender do tamanho da empresa os dados poderão não ser passiveis de serem anonimizados.

Conforme conceito da LGPD (art. 5º, XI): “anonimização: utilização de meios técnicos razoáveis e disponíveis no momento do tratamento, por meio dos quais um dado perde a possibilidade de associação, direta ou indireta, a um indivíduo; ”

Assim, a empresa deverá verificar no momento de publicação da ferramenta pelo MTe se essa anonimização é possível ou não, e agir se não o for, inclusive judicialmente, se possível.

No entanto, se as informações mais sensíveis forem obtidas pelo governo pelo e-social, e não publicadas por empresa, mas sim de forma geral, do mercado todo, nesse caso, haverá garantias de anonimização dos dados.

Só saberemos após a publicação da ferramenta de obtenção das informações.

E em 27 de novembro foi Publicada a Portaria 3.714/23, que traz mais elementos do que somente a igualdade entre homens e mulheres.

O art. 3º da Portaria indica que extrairá dos e-social os dados de raça, sexo e etnia com os respectivos valores de salário contratual e remuneração mensal, portanto haverá algum sistema de busca na plataforma que migrará os dados para a ferramenta que será publicada, ou diretamente pelo governo ou migrado pela empresa.

Outros dados serão inseridos em uma ferramenta, ainda não criada, no “Portal Emprega Brasil” que terá uma aba com tais informações.

As informações a serem inseridas se referem não à remuneração em si, pois ela será a do e-social, mas sim de haver realmente política de igualdade salarial e incentivo desenvolvimento da mulher.

E talvez aqui surja um avanço de mudança de cultura a fórceps!

As informações pedidas são:

a) existência ou inexistência de quadro de carreira e plano de cargos e salários;

b) critérios remuneratórios para acesso e progressão ou ascensão dos empregados;

c) existência de incentivo à contratação de mulheres;

d) identificação de critérios adotados pelo empregador para promoção a cargos de chefia, de gerência e de direção; e

e) existência de iniciativas ou de programas, do empregador, que apoiem o compartilhamento de obrigações familiares.

Com as informações, o governo publicará um relatório de transparência Salarial e Critérios Remuneratórios.

Para se preparar, sugiro esse breve checklist, que não se esgota nele, mas pode ser um primeiro passo para ver como anda sua lição de casa:

a) adequação de CBOs, que muitas vezes são inseridos de maneira quase automática, sem que haja real correlação com a função, e efetuar adequações necessárias;

b) já mapear os cargos, funções com os dados acima indicados, e verificar se há discrepâncias;

c) verificar eventuais discrepâncias, verificar dentro da legislação quais são ou não justificáveis; – são consideradas diferenças discriminatórias as que não têm uma justificativa objetiva ou aceita pela lei;

d) verificar os critérios de avaliação pessoal para KPI e outras formas de avaliação interna para mérito, promoção, programas de bônus, e outros, e se eles são ou não objetivos, ou deixam margem à eventual alegação de discriminação;

e) verificar política de compartilhamento de obrigações familiares;

A letra c) não é fácil, porque há o artigo 461 da CLT, a sumula 6 do TST, e um infindável número de jugados sobre o assunto. E nenhum deles é muito objetivo, por mais que tentem ser.

A sumula diferencia cargo de função. Grosso modo, cargo é o título do lugar na estrutura, função, é o que esse cargo faz, tarefas são o que criam a função!

Por que isso é importante? Porque você pode ter, nessa análise “cargo x função” um primeiro passo para procurar o CBO correto.

E por mais que pareça ser simples, não é. Muita gente vai encontrar nesse exame diferenças salariais inexplicáveis. E é aí que mora  perigo.

Consequências

A primeira é a readequação.

A norma cria o Plano de Ação para Mitigação da Desigualdade Salarial e de Critérios Remuneratórios entre Mulheres e Homens, se a fiscalização perceber desigualdade salarial e de critérios remuneratórios entre mulheres e homens, que será elaborado com garantia de participação do sindicato, e que deverá conter:

I – as medidas a serem adotadas, as metas e os prazos; e

II – a criação de programas relacionados à:

a) capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;

b) promoção da diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e

c) capacitação e formação de mulheres para o ingresso, a permanência e a ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

O Programa de mitigação deverá conter ainda a previsão de

I – capacitação de gestores, lideranças e empregados a respeito do tema da equidade entre mulheres e homens no mercado de trabalho;

II – promoção de diversidade e inclusão no ambiente de trabalho; e

III – capacitação e formação de mulheres para o ingresso, permanência e ascensão no mercado de trabalho em igualdade de condições com os homens.

Multas

Aqui o bolso é o atingido, a multa é alta, e atinge qualquer forma de discriminação, não só entre homens e mulheres, mas também motivo de sexo, raça, etnia, origem ou idade,

A pessoa que sofrer discriminação salarial terá direito ao pagamento das diferenças salariais sem esquecer a indenização por danos morais se for o caso.

Além disso, a multa será de ”a 10 (dez) vezes o valor do novo salário devido pelo empregador ao empregado discriminado, elevada ao dobro, no caso de reincidência, sem prejuízo das demais cominações legais.” (art 461, § 7º)

Como estamos agora

Não há ainda a definição da forma de inserção de dados uma vez que a ferramenta que será inserida no Portal Emprega Brasil  ainda não foi divulgada

Mas isso não cancela a lição de casa desde já de efetuar os mapeamentos sugeridos,  especialmente as políticas de carreira da empresa, e seus programas de ESG e diversidade, para verificar riscos flagrantes ou ocultos. 

Tudo está valendo, assim que a ferramenta aparecer é só divulgar.

Autoria: Maria Lucia Ciampa Benhame Puglisi, Advogada, atuando desde 1988 na área de consultoria empresarial trabalhista, inclusive sindical, e contencioso como sócia fundadora do Benhame Advogados. Graduada na Faculdade de Direto – USP, com Pós-graduação em Direito do Trabalho e Previdência Social pela mesma faculdade, Mestranda nel Máster Universitario de Derechos humanos democracia y globalización na UOC – Universitat Oberta de Catalunya. Cursos de extensão na Faculdade de Direito da FGV de Liderança Sindical Empresarial, em Gestão de Pessoas e Compliance Trabalhista e de Fusões e Aquisições M&A. Curso de Arbitragem Trabalhista no PACE- AMCHAM. Pesquisadora do Núcleo de Pesquisas CNPQ/PUCRS “Relações de Trabalho e Sindicalismo”, coordenado pelo Prof. Gilberto Stürmer. Membro do CIELO Laboral, do Comitê Jurídico e Vice-líder do Comitê de gestão de pessoas da Câmara Espanhola. Diretora Presidente da APRES- Associação Paulista de Relações e Estudos Sindicais, Membro Comissão de Dir Sindical da OAB SP; Líder do GT de Compliance Sindical na Comissão de Compliance da OAB SP. Membro da IABA – InterAmerican Bar Association, e vice-presidente do seu Comitê de Direito do Trabalho.