Liderança feminina não é mesmo só coisa de mulher

Rachel Maia foi a keynote speaker da palestra de abertura do LIFE

Quem acompanha as reflexões sobre liderança feminina e inclusão reconhece a voz de Rachel Maia, atualmente CEO e fundadora da RM Consulting Consumer Goods. Com uma trajetória de mais de 30 anos como executiva, presidente, CEO e empresária, Rachel fez e faz a diferença no posicionamento da mulher no mercado de trabalho. Na última quarta, ela foi a keynote speaker da palestra magna de abertura do LIFE – Liderança Feminina em Movimento, evento online que a ABRH-SP promoveu na semana passada, em conjunto com o inédito CRHO Forum.

Em mais um bate-papo que uma palestra nos moldes tradicionais, Rachel conversou com Livia Mandelli, coordenadora do comitê de conteúdo do LIFE, sobre o tema “Liderança feminina não é ‘só’ coisa de mulher” e respondeu a perguntas dos participantes. Questionada sobre como os homens podem se posicionar nesse movimento em prol da liderança feminina, ela respondeu: “Sou uma pessoa naturalmente política. No corporativismo, aprendi a abrir o olhar, ver as pessoas como aliadas, entender como poderia dar o meu melhor e como aquela pessoa poderia agregar algo ao meu curso da história. Não vejo os homens como uma ameaça. Quando fui promovida a presidente pela primeira vez, foi um homem quem me contratou. Ele não me contratou pela minha diversidade, pelo étnico ou gênero, mas, sim, pelos meus skills e pela empatia que conseguimos estabelecer entre nós”.

Apesar do apoio do líder, ela, como acontece com muitas mulheres em circunstâncias semelhantes, agiu como autossabotadora quando se descobriu grávida depois de oito meses no cargo. Quando ele veio ao Brasil comunicar de algumas expansões que seriam feitas na América Latina, Rachel estava pronta para pedir demissão. No entanto, o líder não aceitou e teve um olhar mais disruptivo que o dela sobre a questão da gravidez. “Por mais preparadas que estejamos para tal, naturalmente, vamos ter vieses nessa trajetória. E como tratar esses vieses? Os aliados são fundamentais, não precisamos estar sozinhas nessa jornada. Nós precisamos dos meninos como aliados. É assim que acontece.”

No entanto, ela reiterou, é importante dizer para os aliados que eles precisam ouvir as mulheres, que só querem o lugar delas no corporativo e na liderança. Esse ponto deve ser dialogado, trazido para o grupo e apresentado como um ponto estratégico. “Vejo muitos líderes e empresas com diversidade de gênero, boa vontade de aprender e entender como fazer essa inclusão genuína que cause o sentimento de pertencimento, não apenas interessados em colocar a diversidade de gênero para cumprir tabela. Queremos de fato pertencer ao processo, fazer parte da decisão da estratégia com essa pluralidade que tem voz e vez”, disse.

Mesmo com uma trajetória como a dela e resultados nas empresas pelas quais passou que falam por si, Rachel ainda tem de lidar com a intolerância: “Faço parte de conselhos e em alguns deles sou a única mulher. Consigo perceber a intolerância vinda de alguns homens e o apoio de outros. Tenho certeza de que muitas mulheres sentem essa mesma intolerância de alguns e alinhamento de outros. É importante detectar onde estão esses alinhamentos. Enquanto não mudarmos a ideia de que não estamos lá como inimigos, mas como agregadoras para o processo evolutivo, temos de nos posicionar e muitas vezes ser tolerantes não com a ofensa, mas ao ensinar os intolerantes”.

Na opinião de Rachel, infelizmente, isso vai continuar acontecendo no universo corporativo porque existem muitos investidores e membros de diretoria executiva ainda com a mente tradicional, que acham que todo esse discurso do diverso, de uma sociedade equânime, é mimimi. “Fico traumatizada quando ouço esses termos vindos de pessoas que têm intolerância à transformação, mas não posso simplesmente fazer caras e bocas. Mesmo sabendo que eles fazem caras e bocas quando estamos em uma reunião estratégica, tenho de ser o ponto de diferença no processo. Muitas vezes o recuar também faz parte da estratégia. Como um estilingue, em determinados momentos precisamos recuar para focar e dar passos adiante. Parte da nossa construção de jornada está sendo desconstruída. Isso inclui respeito, inclui vieses, formas e trativas com o próximo. O que ontem era possível, incluindo brincadeirinhas infames em reuniões, hoje já não dá mais.”

Por onde acelerar a liderança feminina?

Rachel convidou os participantes a olharem a temática pelo ângulo da demografia, fazendo uma comparação direta com a questão racial nos Estados Unidos. Lá, a população norte-americana tem 13% de negritude, mas 30% de negros estão na alta liderança das organizações. Por isso que o aconteceu com o George Floyd (afro-americano assassinado por um policial em maio de 2020 na cidade de Minneapolis, o que desencadeou uma onda de protestos por todo o país) teve uma repercussão diferenciada, justamente por existirem mais tomadores de decisão na alta gestão para dizer o que não é aceitável na sociedade. No Brasil, embora a população seja formada por 56% de negros, a representatividade negra sentada na cadeira de liderança é de apenas 5%. Em relação ao gênero feminino, que representa 51% da população brasileira, apenas 13,48% das mulheres estão no topo. 

“Temos de atingir, no mínimo, uma massa crítica de 34% para que possamos fazer parte da tomada de decisão. Devemos mensurar e precisamos, sim, de ações afirmativas que enalteçam os minorizados. Entendendo bem que não é mais aceitável falar de minorias de indivíduos que foram minorizados por uma sociedade que não tolerava que se enaltecesse o diferente. Ou seja, a liderança era característica de homens, cisgêneros, heterossexuais e brancos. Não tem problema reconhecer isso. O problema é permanecermos da mesma forma. Aí não dá mais”, enfatizou.

Apesar de ressaltar que as mulheres agora têm o lugar de fala, têm voz e vez, Rachel lembrou que há dias em que a heroína está reclusa, e está tudo bem porque ela também tem as suas misérias, os seus momentos. “Todas e todos devemos assumir que nem sempre vamos estar vestidos com a roupa da heroína [ou de herói] e vamos mudar o mundo. Ter vulnerabilidade não significa não ter coragem”, concluiu.

Fonte: Assessoria de Comunicação ABRH-SP, 14 de novembro de 2021.