O futuro da diversidade e inclusão nas organizações

Painel, apresentado durante o Fórum Inclusão da Diversidade,  falou de refugiados e ex-presidiários

Raça, gênero, LGBTQIA+ e 50+ talvez sejam os aspectos mais visíveis da pauta da diversidade e inclusão nas empresas, mas outros grupos, como refugiados e egressos do sistema prisional, por exemplo, também podem contribuir para um ambiente mais diverso, como desejado pelas organizações. Esse foi o tema do painel O Futuro da Diversidade e Inclusão nas Organizações, apresentado durante o Fórum Inclusão da Diversidade, promovido pela ABRH-SP em outubro. 

Participaram como painelistas Paulo Sérgio de Almeida, oficial de Meios de Vida e Inclusão Econômica da Acnur, a Agência da ONU para Refugiados; Zacary Privert, refugiado do Haiti, atualmente auxiliar de rouparia no A.C.Camargo Cancer Center; e Leonardo Precioso, fundador do Instituto Recomeçar, que tem como objetivo reintegrar à sociedade homens e mulheres, egressos do sistema prisional, que cumpriram suas penas e carecem de apoio para dar um novo rumo à vida. Head de Diversidade e Inclusão da Sodexo On-site Brasil, Lilian Rauld foi a moderadora.

Segundo o relatório apresentado pelo Acnur em dezembro do ano passado, 82.4 milhões de pessoas foram forçadas a se deslocar no mundo, o maior patamar desde a Segunda Guerra Mundial. Mesmo com as restrições de deslocamento internacional em razão da pandemia, houve um aumento de 4% em relação a 2019. O ano passado foi o nono contínuo de crescimento de deslocados de maneira forçada. Síria, Venezuela, Afeganistão são os países com maior número de refugiados e as crianças, a face mais dura dessa realidade, sendo que meninos e meninas menores de 18 anos representam 42% do número total. Aqui na América do Sul, o êxodo venezuelano deslocou 5.6 milhões de pessoas e o Brasil é o quinto país que mais recebeu refugiados da Venezuela. 

“Diferentemente do migrante, que saiu voluntariamente em busca de melhores oportunidades, o refugiado não pode voltar ao país de origem porque a vida dele está em risco. Essa situação está amparada no Direito Internacional”, explicou Paulo Sérgio. “Aqui no Brasil, migrantes, refugiados e solicitantes de refúgio têm basicamente acesso aos mesmos direitos e deveres. Eles possuem documentação, podem ter carteira de trabalho, se inscrever como MEI (Microempreendedor Individual), enfim podem ser contratados como empregados por qualquer empresa privada, em qualquer regime de trabalho conforme os requisitos legais.”

Como se pode imaginar, os refugiados não começam do zero. Ao contrário, trazem toda uma bagagem de conhecimentos, informações e vivências que tiveram em seus países de origem e, por isso, são muito importantes para aqueles que os acolhem. Zacary é um exemplo desse perfil. Ele saiu do Haiti, onde ensinava informática básica, depois do catastrófico terremoto que atingiu o país em 2010.

“Quando o Brasil passou a oferecer a oportunidade de tirar visto, deixei minha esposa e filha no Haiti e vim para o país. Um amigo me acolheu e me ajudou a procurar emprego”, contou Zacary. Apesar de ele ter ensino superior incompleto, a primeira vaga que conseguiu foi de servente de obra. “Era um trabalho duro e havia muito preconceito dos demais. Agora, estou feliz no A.C.Camargo, onde há respeito. Considero as pessoas que trabalham ali como se fossem a minha família. Aprendi português no dia a dia [francês e crioulo são os idiomas oficiais do Haiti]. Usava um aplicativo para traduzir o que eu assistia na TV e pesquisava bastante. Ainda não consegui dominar a língua portuguesa, mas estou procurando melhorar. Juntei dinheiro e, depois de um ano e meio, minha mulher e filha vieram para cá. Hoje estou feliz aqui e tenho até um filho brasileiro.”

Apesar do ambiente legal favorável, na prática os refugiados enfrentam muitas dificuldades de acessar uma oportunidade no mercado de trabalho formal. Um estudo feito pelo Acnur e o Banco Mundial sobre a integração de venezuelanos no Brasil apontou que eles têm apenas um terço das chances de um brasileiro de ser contratado em uma vaga de emprego formal no mercado de trabalho. E, quando isso acontece, têm mais chance que um brasileiro de ter empregos abaixo de sua formação. 

Para Paulo Sérgio, existem muitos bons motivos para as empresas contratarem um refugiado. “Em geral, são pessoas capacitadas, talentos a serem considerados para as vagas existentes em que os perfis não são encontrados pelas empresas. Estão disponíveis para mudar de cidade e viajar, aceitando vagas em empresas fora do perímetro urbano que têm dificuldade no recrutamento. Incorporam os benefícios da diversidade, elevando o potencial da empresa e dos negócios. Trazem diversidade linguística, fortalecem a reputação e têm maior aderência às organizações que os contratam, o que resulta em maior taxa de retenção e sucesso no recrutamento. Enfim, proporcionar oportunidades para refugiados beneficia a todos.”

Recomeçar

Leonardo falou da experiência dele como egresso do sistema prisional, onde passou sete anos; como o primeiro presidiário a ganhar o prêmio Jovem Brasileiro, na categoria Social, em 2016; e também como fundador do Instituto Recomeçar, que no ano passado conquistou a sede própria e deixou de ser um projeto dentro da matriz Gerando Falcões para se tornar o Instituto Recomeçar da rede.

Atualmente, a organização não governamental atua em Poá e Grande São Paulo, Recife (PE), Brasília (DF) e São José do Rio Preto (SP), tendo já impactado 2.982 pessoas cadastradas, sendo 1.055 desenvolvidas socialmente e 349 contratadas em diferentes formatos de geração de renda, além de ter incluído 40 deles em universidades e 523 em programas de qualificação profissional. De acordo com Leonardo, uma aferição feita em parceria com o Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, com uma média de 300 egressos entre 2019 e 2020 que passaram pelo Recomeçar, apontou a reincidência de apenas 5%, ante a taxa de reincidência nacional que chega a 32% segundo o levantamento do Instituto de Pesquisa Igarapé.

Como ele explicou, não há restrições para empregar um egresso de fato. “Tenho mais dificuldade de colocar um egresso como empreendedor porque ele tem um título de eleitor cancelado e não é possível abrir uma MEI sem o documento, mas para registrar não há a exigência do título. O que existe é a falta de conhecimento das empresas para poder gerar essa oportunidade, além das desconfianças e preconceitos. Nós sabemos, como egressos, que não é um trabalho simples, porque a criminalidade causa um trauma na sociedade, só que, como egresso, já nos responsabilizamos, pagamos pela nossa pena e estamos pedindo uma oportunidade para a sociedade organizada. Cada não recebido empurra a pessoa para a criminalidade novamente”, alertou. 

Fonte: Assessoria de Comunicação ABRH-SP, 29 de novembro de 2021.