José Eduardo Gibello Pastore*
Há uma proposta legislativa , Projeto de Lei PL 2245/2023, que pretende instituir a Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua – PNTC PopRua.
Resumidamente, este projeto de lei pretende criar cotas de pessoas em situação de rua para as empresas que gozam de incentivos e tenham mais de 100 empregados. A proposta é louvável, mas há que se ter atenção.
É certo que o problema das pessoas que vivem em situação de rua é muito grave. É grave, triste e lamentável que a sociedade não tenha conferido ainda para estas pessoas condições digna de trabalho, educação e vida.
Segundo o IPEA, no Brasil, essas pessoas saltaram de 90.480 em 2021 para 281.472 em 2022. A pandemia da Covid 19 agravou esta condição, por certo. Segundo a FIPE, 41% das pessoas que vivem em situação de rua, estão ali decorrentes de conflitos familiares: 33% por conta de problemas de drogas; 26% devido à perda da moradia, por falta de trabalho e renda. Como se pode verificar, são pessoas envolvidas em problemas bem complexos.
Em relação à escolaridade, 1% tem o curso fundamental incompleto; 3% têm de 1ª a 4ª série; 12% têm 5ª a 8ª série incompletas; 8% têm 5ª a 8ª série completas; 11% têm ensino médio incompleto; 37% têm ensino médio completo; 18 têm ensino superior completo; 7% têm ensino superior completo; 3% têm além disso.
Como se pode notar, o nível de escolarização da maioria das pessoas em situação de rua é bastante precário, infelizmente.
Por outro lado, quando se analisa a experiência profissional dessas pessoas, nota-se que 17%, 17% trabalharam em serviços de limpeza; 14% como ajudantes na construção civil; 14% como ajudantes de transporte; 11% como ajudantes gerais; 17% como ambulantes; 9% no comércio formal; 6% na indústria. 4,5% em serviços de administrativos; 4% não trabalhavam; 1% prostituição; 1% sem informação.
Os dados indicam que são poucas as pessoas em situação de rua que têm experiências profissionais para abrir as portas das empresas que requerem habilidades e qualificação especiais, para não dizer específicas, necessárias ao seu ingresso no mercado de trabalho.
Por outro lado, a questão não é menos complexa do lado das empresas, que provavelmente vão exigir um outro nível de escolarização e profissionalismo da maioria das pessoas que hoje se encontram em situação de rua. As exigências cada vez mais complexas, fazem com que o mercado de trabalho se afunile quando da contratação de novos empregados. E este fato atinge todos os que desejam ingressar no mercado de trabalho. No entanto castiga mais, infelizmente, as pessoas em situação de rua, que são os vulneráveis dos vulneráveis. Para atender às necessidades da empregabilidade destas pessoas, seria necessário um longo programa de qualificação e requalificação, que as empresas certamente não teriam condições de oferecer.
É inviável desejar resolver este gravíssimo problema por meio de cotas compulsórias em empresas de grande porte, como pretende o PL 2.245/23. Não porque as empresas não são sensíveis à questão, mas por conta das exigências do mercado de trabalho, ao qual todos nós estamos submetidos, gostemos ou não.
Ademais, como se já não bastasse todas as dificuldades da questão, tanto para pessoas em situação de rua quanto para as empresas, estas- as pessoas em situação de rua, geralmente vivem em zonas centrais das cidades e muitas empresas estão localizadas fora desta região. Este fato deve ser considerado porque a questão do deslocamento é muito complexo para as pessoas em situação de rua e para as próprias empresas que não teriam condições de proporcionar não só o deslocamento, bem como o alojamento, alimentação e treinamento para estas pessoas em situação de rua pudessem chegar ao seu trabalho e executá-lo a contento.
Como se pode notar, a questão posta pelo PL 2.245/23 é extremamente complexa, ainda que louvável. Para que haja uma solução bem planejada e eficaz para o problema o Estado deveria inicialmente ser envolvido ativamente proporcionando assistência social condigna para estas pessoas, retirando-lhes, inicialmente, do ambiente em que vivem, onde este problema se agrava a cada dia. A assistência social, uma eficaz política pública, seria um bom início para se iniciar a solução da questão. Aí sim, após este primeiro passo, juntamente com outras medidas de preparação e acolhimento desta população, como cursos técnicos, qualificação desta mão de obra para a vida e para o trabalho, a iniciativa privada poderia contribuir para amenizar a vida extremamente dura das pessoas em situação de rua. É louvável, como traz o PL 2.245/2023, a proposta da Política Nacional de Trabalho Digno e Cidadania para População em Situação de Rua. É louvável a criação dos Centros de Apoio ao Trabalhador em Situação de Rua (CatRua). É louvável a instituição de Bolsas de Qualificação para o Trabalho e Ensino da População em Situação de Rua (QualisRua). É importantíssimo a integração de todas estas iniciativas com os Serviços Especializados de Abordagem Social (SEAS) e Consultórios na Rua (CnR).
Não há dúvidas que as pessoas em situação de rua precisam ser acolhidas; não há dúvida que precisam de amparo; não há dúvida que precisam de políticas públicas que lhes dê mínimas chances de saíram da condição de rua, ingressarem no mercado de trabalho e terem sua cidadania de volta.
No entanto, não parece ser a melhor saída impor às empresas que gozam de benefícios fiscais e com mais de 100 empregados, só por conta destas premissas, cotas como forma de solucionar o problema.
Todos nós devemos pensar em outro caminho para acolher as pessoas em situação de rua. É uma questão de civilidade, para não dizer, humanidade.
Escrito por José Eduardo Gibello Pastore
Sócio da Pastore Advogados, é mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e advogado trabalhista.