Começar pelo “porquê” é uma provocação de Simon Sinek, autor do conceito do Golden Circle, que propõe que líderes e organizações reflitam profundamente sobre as razões e o propósito por trás de suas ações. Embora originalmente aplicado à liderança inspiradora, acredito que essa lógica também pode ajudar a entender variáveis que comprometem a análise de líderes sobre os modelos de trabalho remoto e híbrido. Um exemplo claro de como variáveis mal compreendidas podem comprometer a análise dos modelos de trabalho é a tendência do workation.
Workation é um conceito que une trabalho (work) e férias (vacation). Ele simboliza a flexibilidade que o trabalho remoto oferece, permitindo que profissionais trabalhem em locais normalmente associados ao lazer, como praias ou montanhas. Eu, por exemplo, me mudei para o litoral de São Paulo no início de 2024, justamente porque acredito que o trabalho remoto pode proporcionar uma vida mais equilibrada. Mas, mesmo morando na praia, você não me verá efetivamente trabalhando na areia.
A ideia de workation é atraente, mas desafia a produtividade. Primeiro, devido às interrupções frequentes do ambiente, que somadas ao processo de switch tasking (mudar de uma tarefa para outra), podem comprometer seriamente a qualidade das entregas.
É aí que entra o Golden Circle. O workation, assim como outros aspectos dos modelos remoto e híbrido, reflete a necessidade de empresas definirem contornos, delimitarem práticas e criarem estruturas que sustentem a produtividade sem perpetuar a sensação de estresse que muitos vivem no trabalho presencial de grandes cidades.
A lógica do porquê, como e o que
Simon Sinek organiza sua reflexão em três etapas: porquê, como e o que, e reforça que se comece sempre pelo “porquê” (start with the why).
Durante a pandemia, o trabalho remoto seguiu essa lógica de maneira desafiadora:
- Porquê: Garantir o distanciamento social para proteger a saúde.
- Como: Foi comprometido pela falta de planejamento e estruturação, incluindo ausência de práticas organizacionais adequadas, investimentos insuficientes em tecnologia e infraestrutura e pouca capacitação de líderes e equipes.
- O que: Resultou na pior configuração do trabalho remoto marcada por dificuldades generalizadas.
Quando pergunto a CEOs e CHROs suas motivações para intensificar o retorno ao presencial, muitas vezes percebo uma inversão na lógica do Golden Circle. As empresas estão saltando diretamente para o ‘o que’ – definir o presencial como solução – sem resolver os ‘porquês’ e sem planejar adequadamente o ‘como’. Isso gera decisões que atacam sintomas, mas raramente resolvem as causas.
Porquês e comos: desafios e soluções
Entre os desafios organizacionais frequentemente apontados para o remoto e híbrido estão falta de confiança entre líderes e equipes, pressão de acionistas, redução de conexão e engajamento e percepção de perda de produtividade. Esses são os ‘porquês’ que motivam muitas empresas a reconsiderarem seus modelos de trabalho.
No entanto, essas questões não precisam ser resolvidas com um retorno precoce ao presencial. Soluções bem pensadas para os ‘porquês’ podem incluir:
- Treinamento contínuo para líderes e equipes, com foco em produtividade e liderança no remoto.
- Políticas claras que definam os limites da flexibilidade, como condições de trabalho durante workation.
- Investimentos em tecnologia robusta para dar suporte ao trabalho assíncrono e à colaboração virtual.
- Criação de comunidades e rituais que promovem engajamento e pertencimento, mesmo à distância.
- Estruturação de processos que garantam acesso igualitário a informações e oportunidades de carreira.
O modelo de trabalho ideal, ou seja, a última etapa – seja remoto, híbrido ou presencial – deve ser o ‘o que’, ou seja, uma consequência natural de um planejamento realmente estratégico.
Olhando para 2025
Com o início de 2025, entramos em um ano marcado por avanços tecnológicos e mudanças contínuas que moldam as dinâmicas de trabalho. É cada vez mais claro que o trabalho remoto e híbrido não são modismos, mas sim pilares de um novo paradigma organizacional. Empresas que abraçarem essa transição com flexibilidade e inovação terão um diferencial competitivo significativo.
O grande desafio agora é garantir que essa evolução seja sustentável, inclusiva e equilibrada, promovendo produtividade sem abrir mão do bem-estar dos profissionais. Com o suporte adequado de tecnologia, práticas organizacionais estruturadas e foco na experiência do colaborador, o trabalho remoto e híbrido podem se consolidar como estratégias eficazes para enfrentar os desafios do futuro.
E, para isso, lembre-se sempre de começar pelo “porquê”.
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A era do trabalho flexível está apenas começando.
Sylvia Hartmann
Fundadora e CEO da Remota. Mestra e pesquisadora sobre trabalho flexível. Dedicada a apoiar empresas a consolidarem e aprimorarem suas práticas de trabalho remoto e híbrido.
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