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Os muitos desafios do profissional trans, com deficiência

Se ter um marcador social já torna difícil a vida de uma pessoa, imagina ter mais de um, como Walleria Suri, mulher transgênero com deficiência visual que se tornou ativista pelos direitos humanos em 2015 e atua como consultora em diversidade. Sua trajetória foi tema da Roda de Conversa, evento promovido pelo Instituto Rumo Inclusão e a ABRH-SP na última terça.

“Pessoas com deficiência são pessoas como qualquer um de nós e têm características e orientações”, lembrou a presidente do Instituto Rumo Inclusão, Luiza de Paula, que também é diretora da ABRH-SP Campinas. “Em relação à inclusão da pessoa com deficiência, tivemos muitos avanços, mas quando há dois marcadores sociais, tudo fica mais complexo.” Daí o convite para Suri, que atualmente mora em Presidente Prudente, no interior de São Paulo, e está terminando a graduação em Direito. Confira, a seguir, as principais reflexões dessa conversa inspiradora:

Descobertas

“Sou portadora de uma doença degenerativa das retinas, que causa a perda progressiva da visão, e aos 34 anos assumi a minha identidade trans. Quando assumi passei a enfrentar todo o preconceito que a sociedade oferece para essa população, além da discriminação em relação às pessoas com deficiência.

Em geral, as pessoas transgênero, aquelas que não se reconhecem com o gênero atribuído ao nascer, já adotam comportamentos e vestimentas da identidade trans logo na pré-adolescência. No meu caso, quando comecei a entender, ainda criança, que existia um mundo específico para meninos e meninas, com roupas e brinquedos determinados para cada um, passei a me identificar mais com o universo das meninas. Só que por medo de perder o amor da família e ser excluída, me fechei e passei mais de 30 anos tentando ‘aprender’ a ser homem, o que me comprometeu psicoemocionalmente.

Começava a trabalhar e era afastada por problemas emocionais, largava os estudos, não tinha motivação para tocar a vida. Até que um dia pensei: ou decido viver a minha verdade, ou acabo tirando a própria vida. No outro dia fui trabalhar vestida de mulher. De forma discreta, com uma camisa e uma calça social, mas com brincos e batom leve.

Por conta de eu ter me escondido no armário, consegui estudar, ter algumas experiências de trabalho, mas quando assumi fui desligada do bom emprego que tinha. Morava com um tio meu havia 10 anos e ele pediu para que eu deixasse o lugar. Amigos e familiares se afastaram. Tudo aquilo que eu temia acabou acontecendo, mas aos poucos fui novamente me encontrando.

Nessa época, algumas pessoas me procuraram e falaram que poderiam me ajudar, pois conheciam profissionais da área de recrutamento e seleção, mas a condição era que eu revisse a postura, me vestisse como mulher só no final de semana, mas me comportasse como homem durante a semana. Até cheguei a pensar, mas falei: não, não vou voltar atrás. As pessoas queriam que eu fosse uma drag queen nos finais de semana, mas tenho o direito de viver como uma mulher 24 horas por dia. Posso dizer: hoje estou muito feliz porque consegui conquistar um espaço.”

Consequências da opressão

Apesar de realidades distantes, pessoas trans e pessoas com baixa visão têm em comum uma vida de exclusão e vulnerabilidade. Pessoas com esses dois marcadores têm multiplicadas essa vulnerabilidade.

Como trans somos vistas pela sociedade como uma mulher ilegítima, alguém que finge ser uma mulher por desvio de caráter ou promiscuidade, ou ainda por problemas psicológicos. Vale lembrar que a OMS descaracterizou a transgeneridade como uma doença mental em 2018. Trata-se, portanto, de uma forma de vida como todas as outras.

Quando as pessoas se assumem como trans na adolescência, acabam sendo oprimidas pela família e sofrem todos tipo de agressão, violência, abuso… O ambiente escolar também é bastante opressivo, elas sofrem bullying, muitas vezes acobertado por professores e educadores. Não à toa o maior índice de evasão escolar é da população LGBTQIA+, sobretudo das pessoas trans. Quando se assumem, com 16, 17 anos, elas não têm nenhum preparo no ensino e nenhuma experiência de trabalho, por isso quase 95% dessa população vive da prostituição, sujeita a doenças e sofrendo violência e agressão por conta da exclusão da sociedade.

Já as pessoas de baixa visão não são cegas, mas não têm visão  suficiente para fazer a maioria das atividades do dia a dia. Por isso, têm muitos problemas, porque a sociedade não entende, achando que ou uma pessoa enxerga ou não enxerga nada. Eu uso uma bengala, mas, quando chego em um lugar, posso acessar meu celular, meu tablet, o que gera desconforto porque as pessoas acham que estou fingindo.

Portanto, no meu caso, são duas características que provocam grande exclusão e grande vulnerabilidade na sociedade. A baixa visão demonstra socialmente uma incapacidade, então sofro a opressão que vem do capacitismo, o entendimento cultural da sociedade de que uma pessoa com deficiência tem menos capacidade para realizar qualquer tarefa da vida cotidiana, sobretudo ocupar uma vaga no mercado de trabalho.

Sou coordenadora de um grupo recém-formado, a Frente Nacional de Mulheres com Deficiência, que se concentra em proteger mulheres que sofrem violência de gênero. Segundo estimativas, uma mulher com deficiência tem três vezes mais chances de sofrer violência que uma sem deficiência. Nem dentro da segurança pública existem políticas voltadas para essa população. O mercado de trabalho, uma instituição de ensino, um órgão de saúde, para desenvolver estratégias para proteger essas pessoas, precisa olhá-las como um todo.”

Dicas para inclusão no ambiente de trabalho 

“Como PcD, a empresa deve fazer todas as adaptações do ambiente de trabalho de que ela precisa, correspondentes à deficiência dela, além de promover o estímulo à inclusão e interação com toda a equipe. Como trans acho importante que, se a pessoa ainda não fez a retificação do nome, a empresa esteja preparada para usar o nome social como se fosse verdadeiro, que deve ser utilizado no crachá, no ambiente institucional, no login das ferramentas utilizadas. Ao nome do registro só devem ter acesso alguns profissionais do RH para não expor a pessoa. Além disso, permitir que ela utilize os banheiros e vestiários de acordo com a identidade de gênero e preparar a equipe para usar o artigo de gênero correto, não fazer perguntas inconvenientes, como, por exemplo, se ela já fez a cirurgia, etc. Basicamente é isso para a pessoa se sentir acolhida.”

Fonte: Assessoria de Comunicação ABRH-SP (28 de Fevereiro de 2022)

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