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O mundo melhor para os pobres será um mundo melhor para todos

Fundador e CEO da rede Gerando Falcões, Edu Lyra é a exceção da exceção entre aqueles que nascem nas favelas brasileiras. Com apenas 33 anos, tem um currículo repleto de realizações que o levaram a ser selecionado como um dos 15 jovens que podem mudar o mundo pelo Fórum Econômico Mundial. Não à toa, Edu foi o convidado da Live da ABRH-SP “Gente que Inspira”, realizada na última quarta. No bate-papo com as diretoras da Associação, Claudia Meirelles (Comunicação) e Janine Goulart (Inovação e Transformação Digital), ele falou sobre a sua infância, a missão da Gerando Falcões e o papel do RH e das empresas no combate à desigualdade que tanto atrasa o Brasil.  Confira a seguir:

Claudia - O que fez diferença na sua história de vida em relação à história de outros jovens que nasceram e vivem em comunidades como você?

Edu - Faço essa pergunta quase todos os dias. Perdi muitos amigos nessa trajetória. Minha história é de exceção da exceção e o que quero é colaborar na construção de um país que produza histórias de protagonismo como a minha. O que fez a diferença na minha vida foi uma mãe que me inspirou muito. Nasci num barraco de chão de terra batida. Meu pai acabou embarcando no mundo do crime e foi preso indiciado por roubo a banco. A partir daquele momento, tive de crescer vendo-o dentro de um presídio e a minha mãe sendo revistada na minha frente durante as visitas ao meu pai. Aquilo me feria muito emocionalmente. O contraponto dessa história é que minha mãe, que me criou como diarista, todo dia olhava nos meus olhos e dizia: “Filho, não importa da onde você vem, o que importa na vida é para onde você vai. E você pode ir para onde quiser. Ela foi o meu RH, quem desenvolveu, cuidou de mim, fazia as minhas avaliações 360, me dava feedbacks e uma trilha de desenvolvimento. Fui para a universidade, não me formei, mas estudei. Escrevi um livro chamado Jovens Falcões, publiquei esse livro de forma independente, montei um time de 30 jovens e, em três meses, vendemos 5 mil exemplares. Usei esse recurso para fundar a Gerando Falcões, que este ano completa uma década. Teimosamente, decidimos crescer e deixar de ser uma ONG para nos tornar um ecossistema de desenvolvimento social presente em mais de 700 favelas no Brasil, que deve chegar a 1.000 ainda neste ano, cobrindo todas as regiões do país. A gente entrega serviços de educação, de desenvolvimento econômico e de cidadania em território de extrema vulnerabilidade para combater a pobreza. 

 

Janine - De onde surgiu a ideia de criar a rede Gerando Falcões?

Edu - Costumo dizer que as grandes coisas da vida não são um ato, mas vão acontecendo em um processo. Quando você nasce numa favela, quase não percebe o quão pobre é porque tem poucos elementos de comparação. Rico para mim era o vizinho que tinha calçada cimentada, que comprava um Monza ou um Gol. Quando cresci e tive a oportunidade de enxergar o mundo, comecei a entender que nasci muito pobre. A minha formação de cidadania foi me fazendo compreender que precisava criar coisas se quisesse virar algo diferente. Teria de ter um plano para construir esse futuro. E esse espírito de criar o amanhã antes que ele chegasse sempre guiou a minha vida e as minhas decisões. O que eu desenvolvi de mais relevante foi um time muito poderoso na Gerando Falcões, de brancos, negros, gente do centro da favela, de cientistas de dados, educadores sociais, designers, gestores, que estão todos os dias combatendo a pobreza e enfrentando todo tipo de desigualdade social. 

 

Claudia - Como você engajou as pessoas dentro da comunidade? Elas desconfiaram das suas intenções?

Edu - Se tiverem desconfiado, não percebi. Estava muito focado e pouco ligado em distrações. Como cresci filho de um ex-assaltante de banco, que hoje não é mais e está bem casado com a minha mãe, me acostumei a ser mal interpretado pelas pessoas. Você fecha os olhos e segue, porque senão fica paralisado e improdutivo diante dessa realidade, mas sempre fui um engajador, um cara de time, de pessoas, de conexões. Adoro derrubar muros e construir pontes. Passei a minha vida inteira formando times ambiciosos, que não se contentam apenas em fazer um bom trabalho, mas querem fazer o impossível e colocar um sonho imensamente grande de pé. 

 

Claudia - Como vocês se organizaram na Gerando Falcões?

Edu - A Gerando Falcões é uma ONG gerida como uma startup social. A gente tem uma obsessão por eficiência, porque trabalhamos com o dinheiro de doação. Estamos o tempo inteiro gerindo a complexidade de escalar um negócio nessa plataforma de favela – hoje existem 14 mil favelas no Brasil. Todo mundo tem metas anuais, plano de carreira, budget por área, a gente trabalha em squads e com uma agenda de inovação muito grande. Temos uma missão muito nítida e que efetivamente nos faz levantar da cama todos os dias: a de que a gente existe para transformar a pobreza das favelas em peça de museu assumidamente antes de o Elon Musk [fundador da Tesla e da empresa de exploração espacial Spacex] colonizar Marte. É uma vergonha para a sociedade brasileira, e para a sociedade global, colonizar Marte antes de resolver os nossos problemas mais básicos. É um atestado de incompetência coletiva. Não existem empresas vitoriosas em um país fracassado. 

 

Janine - Como foi estruturado o programa de cestas básicas digitais da Gerando Falcões?

Edu - A gente tem lidado com o combate à fome desde o ano passado no início da pandemia. No ano passado, mobilizamos R$ 25 milhões. Neste ano, as doações estavam sem oxigênio, a gente buscou oxigênio e conseguiu retomar o movimento no país. Como resultado, estamos com quase R$ 47 milhões arrecadados. Com esse recurso, podemos alimentar 800 mil pessoas no país, mas queremos chegar a mais de 1 milhão. Utilizamos o ecossistema Gerando Falcões e essa rede de ONGs nas favelas para cadastrar as famílias por ordem de vulnerabilidade social. Criamos um aplicativo por meio do qual as lideranças pedem as cestas básicas e a gente envia através de um sistema de logística. As lideranças, então, entregam essa cesta básica digital, que é um cartão-alimentação, na mão da chefe da família e ela compra com uma carga de R$ 150 por mês dentro do próprio mercado na favela. Isso tem o valor de aquecer a economia local e proteger os empregos. Sabemos que R$ 150 ainda é pouco, mas entendemos que essa travessia tem de ser um mix do dinheiro do governo, da filantropia e da iniciativa privada para criar um componente de proteção social para essas famílias. Ninguém pode ficar de fora da colaboração para não deixar ninguém para trás. A gente precisa que as pessoas que podem doem. Colaboração é a única forma de sobrevivência neste planeta. Ou a gente colabora ou a sobrevivência aqui vai se tornar inviável. A Covid-19 começou em uma cidade da China, mas chegou a todas as cidades do mundo. Quando a sociedade despertar esse senso de pertencimento, de interpretação social, e tiver uma agenda de longo prazo, vamos conseguir resolver muitos dos nossos grandes problemas como país. 

 

Janine - Como os RHs podem incentivar o trabalho voluntário e as empresas onde atuam a trabalhar para diminuir a desigualdade social?

Edu - As empresas são cruciais nisso. Tem uma agenda de ESG [Environmental, Social and Governance] muito importante para o Brasil e o mundo. Todas as empresas têm indivíduos que desejam que as coisas sejam melhores e esses indivíduos precisam se agarrar a essa janela do ESG que se abriu para mover as corporações. Era sempre difícil para uma pessoa de RH falar com o CEO ou convencer o board. Hoje as empresas não comprometidas com essa agenda vão se tornar irrelevantes no futuro, vão desaparecer e se tornar pó. É sim ou sim. Não tem “vamos tentar aprovar”. É apenas aprovar o tamanho da meta, do budget e da energia que a empresa vai colocar e discutir o escopo do programa. Não existe outra opção e também não existe o muro. O muro é o lugar da covardia.

 

Claudia - O quanto a vulnerabilidade social impacta a forma de as pessoas pensarem e tomarem decisões quando elas entram nas empresas, por exemplo?

Edu - Todo esse histórico de desigualdade social, de pobreza e carências com as quais esse jovem cresce em uma primeira infância muito vulnerável, às vezes com a violência familiar, a fome e a falta de saneamento básico, tem efeitos emocionais e de crenças limitantes. O jovem chega ao programa social, e até à empresa, com muitos passivos sociais. Na Gerando Falcões, a gente tem uma abordagem muito grande de implementar o conhecimento técnico, obviamente, mas começamos desenvolvendo a capacitação socioemocional para que esses jovens tenham sucesso na vida e consigam produzir a própria emancipação social. Por outro lado, esses jovens também têm muita potência. É um contexto de uma complexidade tão grande, que o pobre desenvolve tecnologias sociais de sobrevivência para sobreviver ao Brasil institucional, que acaba não resolvendo a desigualdade. Tem muita tecnologia, muita energia nessa juventude e eles precisam de oportunidade, de lugares que ofereçam essa cidadania digital e capacitação técnica para inclusão produtiva. Aqui tem um ponto para observar: as escolas estão fechadas neste momento, os jovens estudando cada vez menos, e o Brasil corre um risco muito grande de um apagão de mão de obra por conta desse contexto de hoje. Isso vai custar caro no futuro. As empresas, dessa forma, precisam estar conectadas com a ponta e com as ONGs para apoiar a transferência de conhecimento, de know-how, para apoiar com investimento financeiro as ONGs que trabalham com a formação de jovens ou alocando vagas prioritárias para jovens pobres, negros, meninas desses territórios a fim de que possamos ampliar a diversidade dentro das companhias. Cada decisão que o RH toma é como se fosse um algoritmo que a gente está construindo. Temos essa responsabilidade e esse dever moral de reconstruir esse algoritmo. O sentimento que todo mundo tem de ter é de responsabilidade. Ter a responsabilidade de construir oportunidades. É disso que precisamos no Brasil.

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